quinta-feira, 19 de outubro de 2017




Não sei porquê que é sempre tão difícil falar enquanto dói.
Nestes dias, que tanto se tem falado sobre os incêndios, tenho estado calada. Porque dói, dói muito. E se me dói a mim, que estava longe, nem sequer consigo imaginar o que sentem aqueles que sofreram na pele.
Ontem consegui finalmente falar com a minha avó, com a minha tia. Ouvi a tristeza de quem perdeu o trabalho de uma vida. E enquanto agradecia por estarem bem, por estarem vivos, por terem conseguido salvar as suas casas no meio daquele inferno, ouvia do outro lado o desgosto de tudo o resto que se perdeu. Quis abraça-los. Dizer-lhes como sofri nas horas em que não sabia se estavam bem, dizer-lhes que só a voz deles me poderia sossegar, e tudo o que consegui foi ouvir o seu sofrimento, enquanto eu agradecia e chorava por os poder ouvir.
Hoje obriguei-me a escrever... e é tão difícil... apesar de na realidade estar tudo bem. Tudo o que a mim importa. Porque se para mim basta que eles tenham sobrevivido ao inferno, sei que para eles, perderam muito mais do que aquilo que ganharam. E queria poder dizer-lhes que todo o trabalho de uma vida não é o que mais importa, mas sei que para eles, é tudo. E depois existem aqueles que perderam mesmo tudo. A vida, o lar, a família...
Gostava de conseguir dizer mais... mas ainda dói. Sim, dói pensar no que poderia ter acontecido. Dói pensar no desespero de se ver cercado pelas chamas e ter que avançar sobre elas, a certo ponto, já sem água, para poder salvar o lar. Dói imaginar os meus avós, com os seus 80 anos, a correr em direção às chamas para salvar os animais e a comida que os alimenta. Dói saber que os bombeiros não conseguiram chegar a todo o lado. Dói não saber, não conseguir falar, tocar aqueles que amamos. Dói saber que enquanto os meus avós passavam pelo inferno, também os meus tios passavam, e os meus outros tios, e a minha prima num sitio mais distante. E enquanto a minha família sobrevivia ao inferno, cada um em seu inferno, eu dormia na minha cama, segura, sem saber. E sim, dói muito.


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